segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O Vizinho do piso superior

O VIZINHO DO PISO SUPERIOR

"O róseo-púrpura do crepúsculo desce atrás dos prédios, oferece-me, num quarto de hora, uma paz acolhedora. Anos após anos, meus olhos, curiosos e

aventureiros, do outro lado, na estrada tortuosa que se perdeu no passado. Com as mãos nas grades, com a dúvida a pedir um pouco de meditação, permaneço absorto. Não demorará muito para escurecer. Se fosse jovem, seria fácil recuar. A lua, com seu corpo transparente, desenha minha sombra na parede. Sou uma sombra. “Como é fria a parede...” O mesmo frio interior. As grades, enferrujadas pelo tempo e pela falta de manutenção, não oferecem resistência. Com o tempo, a impotência nos coloca frente a frente com a morte, fica mais simples aceitá-la. Maldito medo do desconhecido! Embaixo, uma multidão corre riscos, não se deixa influenciar pelas estatísticas. O cemitério construído ao fundo é um aviso. Já não me incomoda. Em determinadas situações, a própria morte acaba sendo uma opção. Nenhum ruído, um pó ferruginoso forrou o chão ao tirar minhas mãos da grade. Nunca minha sombra esteve tão presente. Trazia bom agouro, não havia dúvida. Ou eu queria que trouxesse... Rareavam os que passavam lá embaixo. Estavam, com certeza, entre paredes, protegidos em suas fortalezas. Andamos em círculos, às vezes maiores, às vezes menores. Assusta-me a idéia de não sair do lugar.

Escurece rapidamente; mais rápido, o meu cansaço. Cansaço de não fazer nada, somente contemplar. Como o faço agora com as janelas que alternam claros-escuros. Como um véu transparente, uma nuvem cendrada recobre a lua. Noite para bruxas, noite vazia, noite dos amantes que apagam e acendem

luzes, abrem e fecham cortinas. Abraço o travesseiro, já não sou observado pela lua. Faz silêncio. Uma noite íngreme, cheia de obstáculos, fluía além das grades. Parei o olhar alguns segundos no crepúsculo que se apresentava do outro lado. Sentia o olhar do passado a me puxar, como o ímã a um metal, de volta ao meu espaço. Tentava não ceder, em vão. Pedras enormes, desgastadas e sulcadas,formavam a parede que suava o meu medo. Era passado. Pedra após pedra, a esperança de liberdade se esvaía. Uma fortaleza construída em função de nossos medos e incertezas, a registrar os limites entre quatro paredes. Haveria algum sentido? Os homens se esquecem do caminho que leva a vales e montanhas. Distraem-se em sonhos. Recusam a vida. Enclausuram-se em castelos medievais. Amanhece. A luz flagrou-me sentado, desenha as grades em meu rosto, traz minha sombra, enquanto eu observo um besouro que, aprisionado entre minhas pernas, caminha em círculos. Lá embaixo, a cidade acorda. Uma multidão observa um corpo estirado no chão. Sobre seu corpo, o letreiro anuncia a temperatura e as condições do ar. Morreu em dia fresco e com o ar respirável. Estranho... Pela primeira vez, não ouço os passos no piso superior... Do quarto para o banheiro, do banheiro para a cozinha, da cozinha para o quarto... Foi o vizinho do piso superior..." Carlos Rosa


O nosso trabalho semestral: adaptar esse conto.

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