sábado, 17 de novembro de 2007

seule

sussurrou palavras em francês, um francês bem ruim, dizia-se seule tão infinitamente na sua. Ficou parado durante dias naquela posição de morto, talvez sem respirar. Nasceram asas e uma outra vontade nele, voar, voar. Sussurrou algumas outras palavras em francês tristesse, e abaixou a cabeça sem se deixar ouvir. Não queria acordar o sono dos seus demônios. E se mexeu pela primeira vez em anos. Comeu, e murmurou outra palavra em francês l´amour e não disse mais nada depois que repetiu o seule e se cansou da vista daquela janela e se mexeu. Foi até o jardim e buscou a lua, não tinha, no seu mundo a lua se esvaíra tão logo, naqueles dias em que esteve parado, sozinho. Disse uma frase em francês je veux une petite chatte e voltou-se à sua paralisia, seu coma aconchegante. Disse mais nada e morreu sozinho como quem morre afogado numa praia deserta, como quem explode num ônibus interespacial, como quem se envenena de amor, ou como quem sonha sozinho com algo que não se alcança.

A dança dos amantes

Em larga escala soltam palavras eu te amo
em baixa escala amam mesmo
em grande tamanho dizem pra sempre
pequeninos os que permanecem
todos querem um amor
poucos vivem para um amor
nenhum continua

se há lua, há amantes
amantes nos mares revoltos brindam
amantes causam acidentes aéreos com suas energias moleculares extra-terrenas
amantes se carregam e se descarregam toda vez que brigam e voltam
amantes fazem flores nascer

se há lua, há amantes
se há você, há eu

um mundo novo
amantes criam
amantes procriam
filhos, felicidades e beijos
amantes não receiam
o fim do mundo está perto.

Terras tremem, anjos caem
estremece o universo com amantes
tudo fica um pouco desconfigurado
amantes amanhecem o sol
e adormecem a metrópole que não pára
amantes param metrô, trem, jato
amantes jantam poesia.

Ah,
que vivam os amantes
mesmo morrendo de amores
renasçam de amores
e sejam.



a noite dos cacos


Prurido

Como se fez um desejo. Como haveria de se fazer uma reação de um desejo.
Você está trancafiado em você, em cofres, você se resguarda, noite a dentro não se vê você passar, nem se ouve sua voz cantando Maysa, a canção do amor mais triste. Como se fez um desejo, você se resguarda hoje e amanhã, talvez até se desatar dessa ausência no seu peito. Bota uma música pra tocar e dance. No piso mais alto do prédio em que você mora, você resiste em se jogar de lá. Você resiste em dizer que a lua tá bonita. Como se fez desejo, há uma prisão que o envolve, há um saco de beijos banidos que você botou na lixeira. Há e não há. Você dança na pista da noite mais clara pela lua, toma sua cerveja e pensa em Marguerite Duras. Você pensa em sexo, e se trancafia com alguém num banheiro. Você depois não dorme bem. Como se fez desejo, você pensa em artes plásticas e naquelas tintas todas sobre seu corpo volúvel, instável, magmático, enigmático, fatigado, metropolitano... Você vai tomar suco e comer um cheeseburger sozinho ou acompanhado não importa, pois o vácuo da sua expressão será fonte do seu pensamento, e uma instropecção longínqua que você namora. Você mora com a sua fatalidade. Você namora seu pôr-do-sol toda tarde e seu espelho de moldura barroca. Você vai se trancafiar de novo, e botar seu coração num cofre, ou então deixá-lo perder em meio à Revolução tal como o pequeno príncipe francês, 1789. Você vai se resguardar e repetir os mesmos erros. Você se deixaria embalar pela canção da Maysa? Você se fecha. Você vocifera. Você.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

fuzilamento dos sonhos mais presentes em minha vida, nesse momento

um dia ou dois

Do ponto zero. Do zero. Do nada. Do branco e do escuro. As janelas abertas e fechadas, um pouco de anseio e de calma. Uma calma. Uma bizarra invenção, uma perigosa infecção. Estar com você é não estar. Morrer e morrer. Partir. (re)partir. Ficar. Desejar ficar. Olhar para o ponto zero. Olhar para trás e morrer de tanto respirar fundo. Não se respeitar por enquanto, desejar o momento e adormecer. Debaixo das cobertas e dos lençóis, os sóis na janela, os seus olhos parados. Estar e não estar com você. Caminhar junto. Alcançá-lo mais a frente. Bater de frente com o orgulho, brigar e brigar, jogar nosso porta-retrato no chão, pisar, ficar, se acalmar, tomar um café. Desejar não estar, estar. Fazer um filho com você. Caminhar junto. Dosar sua glicemia, receitar o seu remédio: eu. Te acalmar. Te desejar longe e te desejar junto. Sonhar com a volta. Brigar. Te chamar de filho da puta, te bater na cara, te beijar longe... longo. Momento do instante do agora fica assim: vem, me mostra o jornal. Não se acanhe com meu olhar. Não olhar. Pôr venda. Vender nossa casa. Ver o pôr do sol na rua de trás. Atrasar no jantar de um, dois anos. Te chamar pra casar. E um ou dois dias mais repetir toda a façanha de te conquistar. Fugir, voltar, fugir. Descer as escadas, mas depois subir o elevador, te chamar pra sair, sair sozinho. Beber demais, dormir demais, não estar demais. Estou aqui.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O poeta pede calma, pede a morte, não pede.

Esse supor, esse tambor nos ouvidos, nada se cala, o que vemos é a beleza e tristeza de um dia não vivido, de um dia que não vem, tarda a se fazer belo. O que vemos é o que não podemos ver, a fenda que nos mostra o escuro, a noite sozinha e vã. Deixe-me fragmentado, descaracterizado e prepara-me para o fuzilamento dos meus sonhos e do meu corpo, nada me resta, nada me sobra, só me sopra a verdade de que tudo é um sonho, lúdico infeliz, tudo é uma verdade deturpada, distorcida num daqueles espelhos gigantes. E eu sou menor. E eu sou pequeno. E eu sou invisível, agora.

Nossa luta armada

Guerrilheiro de mim

a nossa luta armada que é?
pra continuar nos seus braços
armados de seus beijos e anseios?
pra ficar calado no silêncio do seu respiro
ou pra ter a beleza de dizer amor?

a nossa luta armada que é?
uma razão ou uma irracionalidade?
uma certeza ou uma fragrância
ao ar solta a esmo, um vento perdido
um sopro calado um nada? que é, me diz?!

a nossa luta armada foi vencida
pelos beijos imperialistas do cômodo
você e eu já nem temos nada
você e eu já nem somos nada
e você e eu nos acomodamos
sem nossas armas, agora já perdidas,
sem nossos braços, uma luta de outrora
sem nosso horizonte de vencer
eu e você nessa noite vazia.

domingo, 4 de novembro de 2007

O BEIJO DA TARDE

CARNE DE UM BEIJO CARNUDO SONHO OLHA EU OLHANDO PRÁ VOCÊ MÃOS SÃO EU E SEU DESPREZO ATADOS NUMA GRANDE VERDADE: VOCÊ OU EU QUEM VIVE MAIS E MELHOR SOZINHO QUEM É QUE SUPERA A DOR QUEM É QUE REVIVE TODA POESIA DO TRIUNFO? SOU DE QUEM? A QUEM CHAMARIA DE MEU DONINHO? QUE É QUE FALTA PARA NOS ATARMOS NUM GRANDE ABRAÇO APAIXONADO NUM BEIJO DE BRESSON NUM AMOR HISTERIA NUMA DOR BEM LONGE DE NOSSOS CORPOS!!!!!!!!!

ter e não ter

a liberdade chamar de sua
fontes e abismos no meio de uma estrada crua, desconhecida
um pouco de receio, um meio de se viver,
verdades e janelas escancaradas numa casa nua
todos seus amores incrustados em você
saber que você muda, que eles também
um pouco de mim, doado, um pouco de mim

a liberdade chamar de sua
fontes e abismos no meio de uma rua torta
o roto do seu passado bem na sua frente
sua fome, seu pedido de poesia, seu verso
a liberdade se transforma em prisão
quando cego de amor não vê o clarão
quando preenche no momento o vazio
e vê a irrealidade real uma fugaz companhia

a liberdade chamar de sua
e ser como você um verdadeiro camaleão
mudar palavras, partir sem avisar
não tomar o café que você me pagaria
nem ficar para o beijo da tarde
ter e não ter medo, ter e não ter amor.

O beijo da tarde
ardida, arde, salpica-me
de tarde, de tempo indo
esvaindo como uma luta
minha e sua
minha e minha.

O beijo da noite
na escuridão da noite
eu nem mais espero.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Meu mundo caiu


MAYSA

PODE FINGIR

que caia o céu, hoje não tô nem aí, hoje não sou, hoje não quero, talvez nem amanhã. Vá pra puta que pariu tudo que eu quis, tudo que foi, tudo que é. Mas amanhã eu voltarei.