sábado, 30 de agosto de 2008

torrente calmaria

Torrente calmaria. Tira ao alvo. Impessoalidade porca. Passeio pelo escuro, de mãos dadas, o obscuro se torna claro. É claro, o hoje e o amanhã se confundem, em agora todo o agora, de outrora, rasteja, é certo que o certo de ser perto é utópico, mas o longe, tão distante, mesmo assim aflora, agora. É só olhar, depois ouvir, depois chamar. Tudo parou. Persistiu e perturbou.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Reflexo



Noite de Kino. São Paulo, mais precisamente Cinemateca, 24 de agosto, estávamos prontos pro tema, numa espécie de corrida com a câmera, os atletas deveriam gravar e editar em menos de 48 horas sobre o tema dado: política viva! Política? É tão amplo, tão aberto e perigoso, como dizer de algo que nem eu bem sei se sei. Como falar de uma abstração tão presente, mas às vezes tão invisível? Aceito o desafio, pusemo-nos logo pra pensar, o que queremos fazer? Eu, Yasmin e Camila, mal sabíamos o que nos esperava, o verdadeiro idílio perigoso ao qual nos meteríamos. Ok. O que temos em mãos? Uma São Paulo inteira num domingo, o que era ainda melhor, mais vazia, mas não menos instigante.

Decidimos por visitar lugares históricos e falar sobre o esvaziamento de valores e de história desses lugares, ou melhor, lugares marcados por uma data específica e que contivessem uma carga política extremamente forte. Pensamos no DOPS (órgão de repressão durante a ditadura), na Praça da Sé, palco das Diretas Já, o TUCA, o teatro aonde os atores de Roda Viva foram espancados na ditadura, Rua Maria Antônia, palco da Batalha da Maria Antônia, um enfrentamento entre estudantes em 1968, o Teatro Oficina, útero de peças emblemáticas para a história cultural do Brasil como O rei da Vela, eram tantos lugares, tão distantes uns dos outros, e nós contávamos com cash mínimo, metrô, e vontade, apenas. Logo de cara uma sorte imensa: uma mulher pediu pra sentar com a gente lá na Cinemateca, não queria sentar sozinha, estava sozinha, e começamos conversar, todos, e descobrimos que era performancer, atriz também, Adriane Gomes. É ela, pensamos, e logo aceitou o convite, extremamente atenciosa e disposta a dividir com a gente essa batalha da câmera, do tempo, do tema, da criatividade.

Sob algumas orientações do Professor Alessandro, decidimos por cercar o tema de forma menos abstrata e mais específica, falaríamos de política no dia-a-dia em lugares com peso histórico, ponto. E a Adriane seria a passante, a transeunte, e por fim, a performancer. O trabalho não poderia demorar para se dar início, e o fizemos tão crentes de que seria um longo dia, mas não sequer imaginávamos o que nos aguardava.

Gravamos algumas cenas na Maria Antônia, rua emblemática aonde se encontram as universidades Mackenzie e USP, antigamente escola de Filosofia, hoje, centro de recreação, lá, enfrentaram-se os estudantes, integrantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) versus os estudantes da Universidade de São Paulo, alinhados mais à esquerda. Pancadaria e morte: a vítima, um estudante secundarista de 20 anos, José Carlos Guimarães. Depois, a Sé, dentre pregações, homens bêbados, turistas, Adriane subiria ao marco zero e pregaria política, muda, já que na edição o som era tão somente o ensurdecedor sino da catedral. Essa cena quase nos resultou em prisão: subir no marco zero é proibido! Obviamente não era uma depredação pública, era uma intervenção pública, e só. O policial que quase nos cantou voz de prisão estava estátua atrás da gente, a vigia e a ordem nos perseguia. Em seguida, o DOPS, uma emoção macabra, as celas expostas com fotos de prisioneiros, pareciam celas medievais, portas grossas, ferros pontiagudos; não foi permitido gravar nada, mas sentir tudo aquilo foi-nos cena forte e sangrenta, uma seqüência de horror, que hoje é mascarada com visitas guiadas e iluminação própria, é o show de horror, o entretenimento da dor.

Nessas andanças pelo centro, vimos de tudo de política viva, ou ausência dela: mendigos, crianças, todos esses elementos perturbadores, característicos de uma cidade grande, contraditória e suja. Culminamos na Paulista, o centro financeiro de São Paulo, reduto de todo tipo de gente, todo tipo de política. Lá seria o clímax do vídeo com a performance da Adriane portando um vestido espelhado, com luzes refletindo, em meio a carros e pedestres. Antes disso, deparamo-nos com Verdi, um senhor culto, um mendigo sóbrio, ácido e pessimista. Praguejava coisas como “tem de jogar uma bomba no congresso nacional”, coisas do tipo, mostrou-nos lúcido e inteligente, extremamente crítico, politizado, uma contradição, a personificação da política viva, errante...um são em pele de louco.

Mais que sair para gravar algo, o importante foi sentir o tema antes de qualquer coisa, durante esse processo. Poder com sinceridade discursar visualmente sobre o que é, ou pelo menos o que vimos de política viva, dentre um território tão grande, em cima de uma linha tênue, oscilante, que é política. Confrontarmo-nos após tantas revelações nesse dia, dar atenção àqueles que são invisíveis, ouvir os loucos, não tão loucos assim, sentir o peso da vigia, da ordem e segurança pública, tudo isso mexeu com a gente, nos deixou mais preparados, e emocionados também. Na exibição, o que vimos, foram curtas e curtas, uns subjetivos e alienados, outros engajados inconsistentes, outros alegres, pirotécnicos, fracos, mas uns verdadeiros e emocionantes. O bom foi ver a diversidade de olhar, as multifacetadas formas de se produzir com pouco, criativa e intuitivamente, talvez um reflexo da própria Universidade, reduto de ensino e de fraquezas, nós, como estudantes audiovisuais temos grande dilema e desafio: produzir com pouco, criativa e diversamente, apontar nossas câmeras para o que vemos, e refletir, o que somos. A Noite de Kino foi isso.


quarta-feira, 27 de agosto de 2008

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

faróis e incêndios

faróis e incêndios
alumiam-nos
seu rosto na noite alaranjado
meu rosto é a noite toda escura
tua mão no escuro da noite
disforme
minha mão na noite do escuro
distoa.

pelo apelo

há o querer e o mais distante
de tua pele pelo apelo
perfurante, partilha do medo
consoante
ao desespero, vem a espera
e todo o esmero de se fazer entender
quando que se quer não se entende
ou quando o que se entende não se quer
por mais que saiba
por mais que permita
todo o menos ativa
todo o mais
e você, distante ou mais distante
se esgueira noutro caminho,
que eu ainda não alcanço;

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

open the door

a tábua de esmeralda

"A Tábua de Esmeralda (ou Tábua Esmeraldina) foi o texto que deu origem à Alquimia islâmica e ocidental, surgiu primeiramente nos textos seguintes: Kitab Sirr al-Khaliqa wa Sanat al-Tabia (c. 650 d.C.), Kitab Sirr al-Asar (c. 800 d.C.), Kitab Ustuqus al-Uss al-Thani (século XII), e Secretum Secretorum (c. 1140)." do wikipedia.

O melhor cd do Jorge.

acalendariado

20 de agosto o caralho, eu não quero o tempo, não preciso de tempo, eu quero sentir que esse tempo passa, sobre minha pele eu quero que ele passe, quero que transpasse perpasse e não me poupe de marcas, eu quero a marca de um tempo atemporal, não dia tal, nem semana essa, quero que me interessa, que é o logo, que é o amanhã, sem números nem mês, talvez eu queira um pouco de realidade, sentir que meus pés caminham, mas não a mesma estrada, nem no mesmo ninho o reconforto, eu quero o absorto e o grave, 20 de agosto é o caralho, 21 de agosto é o caralho, agosto é desgosto, pra mim, é dia que tem céu bonito, dia que não tem, dia em que eu quero sair de casa, dia em que eu não quero, dia em que escrevo, dia em que falo, é tal ou tal; Agosto talvez se torne longe quando eu olhar, por isso prefiro a massa de tempo, em que não vejo o ontem, por favor, não me mandem calendários.

Polaroids

quero pintar uma tela
quero pintar na tela e tirar uma foto
eu quero pintar uma tela tirar uma foto e crescer
eu quero alcançar os 3 m
eu quero ser bailarino e sair à rua dançando
eu quero alcançar os postes e amarrar fitas coloridas neles
eu quero o eles
eu quero o elas
eu quero pintar uma tela abstrata
eu quero seguir abstrato, e coerente, às vezes
eu quero o bocejo o ensejo o seio tão mais
eu quero mais e a tela e os 3 m e o balé
eu quero uma foto de você
e espelhos dispostos no quarto
eu quero o ato
eu quero
eu erro
eu encerro

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Carmen de Godard

CARMEN É A PUTA... E A SALVAÇÃO. Carmen de Godard é um filme apoteótico, apocalíptico, ministrado como uma ópera, um poema irregular ou como um quadro cuja observação exige mais que o olhar, exige o coração. Carmen só não é mais puta porque Godard intervém, Godard é o tio, é a culpa, é o cineasta tangendo a loucura, se vestindo de louco, comendo e adormecendo como louco, Carmen pistoleira é uma estátua grega, uma mulher francesa universal. Carmen, diria, que é a Maria Bonita do equador a Norte, mais potente que existe, ela é forte e seu corpo eriça e esguicha o mistério de ser Carmen, o filme, a pergonagem, o cineasta, o espectador. Godard, framicida por natureza nos põe ante à imagem em rebuliço, e enquadramentos que nos faz questionadores: somos até ponto observadores e ativos?

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

São Jorge Power (NÃO TERMINEI)

Se enamora com o vento, se demora com o tempo, tempestivo e alegre zoa, sua fome felicita a miséria de outrem e seu erro reorganiza sua memória. No chão de flores amarelas abandonadas convive com a transitoriedade de uma vida vã, que voa cada minuto além do que pode alcançar, não tem controle de nada, mas vive. Diz-se que é um homem de testa curta, mão de ferro, um verdadeiro guerreiro, mas a verdade é que é tímido, e tatua no corpo uma coragem também tímida, que está aquém do que se precisa para se manter em pé, por favor não o olhem na face, tem olhos que trincam os nossos, tem um peito pungente que faz chacina dos nossos, tem uma faca escondida, e palavras perfurantes sob um canto de águia que sabe imitar copiosamente bem; hoje come voraz a comida no boteco, olha com olhos de lobos mulheres na calçada, bebe como louco uma cachaça e meia, mente pra gente, engana a gente, corrompe os bons, e com os bens faz algazarra, é mesmo um estuprador público. A polícia diz que dá recompensa pra quem adivinhar pra onde ele tá indo, pra que terra ele vai fugir, por qual canyon ele vai passar, com que carro vai, com quem, quando, que horas, querem armar emboscada sangrenta, cortar a cabeça e erguer no pódio do massacre, ou colocar na escadaria na Igreja de Nossa Senhora das Dores, donde matou quinze em quermesse e foi proclamado santo dos vadios, chefe dos pistoleiros, o demônio das redondezas. Eu bem sei que esse cabra vai fugir pra São João do Egito, mas falar seria muita covardia, eu sei de tudo, mas eu não arrisco minha cabeça por dinheiro algum, eu sei que se eu falasse ele mandaria cabra vestido de demônio pra tudo quanto é lugar que eu fosse, então eu não sei de nada, Dona Zélia tampouco, ela disse que Titinha vai falar, porque não quer que filha dela, moça dereita, criada pelo saudoso Capitão Oristide, vá com bando catinguento que não presta. Eu vou falá e quero tê o prazê di cortá a cabeça desse cabra fidaputa. Isso vai dar show apocalíptico, um estardalhar, uma batalha homérica em terras nordestinas, um monte de sangue vai banhar o véio Chico, e os peixes vão sair tingidos de vermelho bem vermelho, não quero nem ver... Noutro dia bem cedo, enquanto arrumava seu opala velho, punha pistola e tudo no porta-mala, carregava são jorge no pára-choque, um santinho daqueles que cola, o sol raiava nordestino e forte, marelento, vinha pela frente um dia seco, o suador no cabra começou cedo, mas ele tava certo de que quem soubesse seu destino, não ia denunciá não, porque eu mato! Titinha ligou pra polícia: São João do Egito, vai levá minha fia junto! Mata o hómi. Carros e mais carros de polícias seguiram rente, estrada quase vermelha de fogo, de terra batida, de terra sem beber há mais de um ano, o cabra ia feliz com a filha de Titinha e Relâmpago, braço, mão, dedo direito, tudo de confiança era o Relâmpago, eles seguiam pra São João do Egito tão logo, que ia ficar tarde. A filha de Titinha tangia pelos lados, feliz, o timbre de sua voz era estampido naquela tarde: óia a polícia! Tratou de acelerar o mais que podia, o carro obedecia raivosamente com rumores de que uma emboscada estava pela frente, cada arrancar dos pneus marcava duro o chão, sobrepunha camadas de terra com a poeira que se assentava, os policiais perseguidores corriam, corriam, corriam, e o homem brabo, ferro do agreste com peixeira e escopeta se dispunha poderoso e invencível, Relâmpago gritava tão alto, dava instruções, olhava pra trás, jamais se renderia. Gritava a correria, à perseguição o sol iluminava duro, e certeiro como flecha, a gente podia ver bem na cara desses três baderneiros faces fatalistas, talvez facadas os pusesse em luta, talvez um tiro certeiro matasse um e desesperasse os outros, talvez o pneu furasse e todos os três fossem juntos correr e correr pela vegetação ainda que rasteira e falha, ainda que o esconderijo não fosse dos melhores, os três poderiam sumir bem rápidos e pés com asas por dentre pedras e pedregulhos afiados, fatais. Talvez a polícia se perdesse no pó, na poeira quase atômica que o cabra macho levantava raivoso, quem há de me perseguí não há de tá em paz, vai sê condenado pelo próprio feito, praguejava e praguejava pensando em São Jorge como escudo e inspiração, todo o mais ao seu redor, durante a reza, era silêncio, tinha uma cabeça boa pra se concentrar e pedir ao santinho que sempre lhe ajudou e hoje não devia faltar. Minha mãe que ensinou a reza, trabalhadeira e crente na Virge e no Santo, morreu triste quando os gado morreu, tinha de criá a gente, nosso pai que era dado por perdido veio nos buscá, e nos levou pra luta, pra arena, que hoje é meu circo e meu lençol. Palavras bonitas assim foram ensinadas por um repentista, um sujeito misterioso que o ensinou a ler, dava-lhe coisas belas e cantigas antigas, que até hoje sabe de cor. Com esmero e uma delicadeza espantosa, ele às vezes cantava algumas no ouvido dela, que exibia dentes afiados, toda risonha que só ela, e ele gostava de ver os furinhos que surgiam quando ela ria com fitas amarelas no cabelo, um cabelo encrespado, empoeirado, cheirinho de terra e nózinhos, caracóizinhos, emolduravam um rosto bonito demais, porcelanoso demais pra quem vive nessas bandas de cá, tinha por ela um sentimento bom, que o fazia desconhecer a si próprio às vezes, mesmo quando se pegava olhando rabos de saia, era ela que logo vinha à cabeça, é que pra se vê, é difícil, Titinha segurava a menina à rédeas e rezas, chegou até a amarrar a menina na cama que era pra não sair no dia em que ele ia ao palanque do Zé das Trincheiras, candidato a deputado estadual, ex-companheiro de luta, homem tinhoso e fraudulento, um verdadeiro cacto cru. Ela gosta dele. Ela se contorce por ele, e aquele dia teve os pulsos em vergão porque se remexia toda a tadinha que queria vê-lo, ele que havia comprado um carro velho e lhe trouxera um perfume, comprado em botequim chique. Chorosa que nem ela, ficou com olhos todos vermelhos, Titinha aumentava som que era pra não ouvir os berros, e nem os vizinhos. Dona Zélia chegou a perguntar, é nada Zélia, ela acordou triste, minha fia. E passou meses tristes, porque ele achou que ela não queria mais ele, não foi ao encontro, não deu as caras, toda atada a pobrezinha. Mas quando se encontraram, em compensação, foi pirotecnia no agreste, fervilhavam os corpos de ambos de vontades e de pecado, as bocas se atracaram secas e firmes como um prego martelado em madeira, firmes! Trocaram juras, meu pitéu, meu fogo vermelho, meu céu de dia chuvoso, coisa assim até mais. Quanta boniteza! Titinha podia nem imaginar, ia enfurecer que nem capeta, ia pegá-la pelos cabelos e surrar a bonequinha. O homem então propôs a fuga, que nem de cinema? É, amor. Eu vou, pois ela foi. Relâmpago foi buscá-la na porta de casa, Titinha até apareceu com uma tora de madeira às mãos, ia dar cacetadas, mas os dois zarparam tão logo, que vizinho nenhum viu. O carro segue longe, a polícia mais atrás come poeira, pretende matar todos a tiro e cortar a cabeça do testa de ferro, aquele que é desordeiro e infernal, o pau nele! Todos se lembram da vez em que ele pra vingar morte de primo, companheiro desde infância, mercador viajante, ele fez Renato das três porteiras lamber chão, comer espinho e como gran finale cortou sua cabeça na frente da família, mulher, bebê, criança, um choramingar musical que lhe arrancava risinhos demoníacos, ele não é santo coisa nenhuma, mas quando quer, é honrado e bondoso, bem quando quer, depende do humor e do amor, do coração que às vezes é tão empedrado... Esse hómi faz chão tremê, faz céu caí, faz chuva dá meia volta, é ditado, coisa assim, quando ele chega: agora de carro ele corre, com a filha da Titinha ao lado e Relâmpago ele bem que poderia morrer bem, mas primeiro quer matar. Não deixo nem herança nem dívida, mas deixo estória. Queria que na lápide estivesse marcado quantos cabra enfrentou, com coragem de homem santo, com cara erguida de cavalheiro, com postura de cavaleiro, grã-fino das mortes. Mas mato, mas amo. Quando olha pra moçoila, acho que fica repartido entre ódio (que lhe é próprio) e amor (que lhe é de outrem e de outrora), ele tem um bem na alma, quando beija aquela boquinha, ele se desarma todinho, e ela também, moça ruim, alguns vão dizer, deixou mãe e irmãos pra fugir com homem desses, não cuidou da avó nem da vizinha no leito da morte, só quis gozar. É nada, é moça dereita, quietinha que foi picada pelo bicho ruim que é o testa de ferro, homem que com parte com capeta aterroriza as redondezas. Cada um diz uma coisa, ninguém entende. Mas é assim, no ante-morte dá dó ver a troca de olhares deles, não deixa eles pegá a gente, não deixo não; dito e feito, o carro parecia que ia voar cada vez mais, São João do Egito não estaria longe, lá eles tinham comparsas, e em guerra armada bem provável que vencessem, se tivesse emboscada aí era outra coisa, Relâmpago, homem sábio, dizia que não, que emboscada de milico é burra, sabem manejar máquina, mas não natureza, e São João do Egito é pura caatinga, terra do nada, que pra eles é tudo, lá tá enterrada a mãe do cabra, lá tem estátua de São Jorge que diz que é milagrosa, lá tem um céu que faz nossa cabeça entontecer, queria levar a moça pra ver, pra pagar promessa junto, pra casar. Se fosse pega, pela polícia, a moça, de certo seria estuprada, violentamente violentada, o cabra só de pensar nisso pisou mais fundo, eu vou pro inferno com essa carro mas não páro. E coisa nenhuma o faria parar. Relâmpago relinchou de euforia! A filha de Titinha olhava pra trás e pra frente, pra frente e pra trás, alternava medo e frio na barriga, olhava pro cabra, fitava seus cabelos desgrenhados, seus olhos retos, rentes, roucos. Sua camisa ainda meio suja de tecido barato balançava a gola, ele mordia o lábio, mostrava dente, carcava o pé no acelerador. Que perseguição! São João do Egito ia aparecendo lá no fim da estrada, perto de uma caixa d´água grande seca.

sábado, 16 de agosto de 2008

estampido

A TEMPESTADE DE DRAGÕES


Bispo Manto do Rosário

O café

Mesa pra dois com um, com dois, depois. Que tarde. Sobre as tardes às vezes digo palavras de tédios, que são traduções de uma tarde livre, que são sensações de uma tarde ensolarada, e a gente na rua. Aquela tarde traduzo com palavras bonitas, e um pouco de um silêncio. Vaguear sozinho é bom, encontrar outro sozinho, é tão bom. E a poesia que se forma é melhor ainda. São poesias ágeis, de olhares, um feitio estranho, olhar um estranho e se deparar com um estranho que virá a ser um conhecido, mais, virá a ser um conhecido-desejo, ou um desejo conhecido, mas sempre novo. Caminhar pela tarde tediosa e vaguear por desejos é tão estranho, é mais estranho estar ao lado de um estranho que invade docemente sua mesa, e pergunta quem é você de forma tão adorável e singela, que o estranho se torna em tamanho um gigante conhecido, que reparte com você um fim de tarde, uma sessão de cinema, um céu, um sol, um seu, o sou, reparte, compartilha, descobre, antevê o que você não esconde. Tirou a caneta da minha mão que era pra eu parar de tremer de vergonha, me avisa quando eu estiver vermelho que eu páro. E a gente cara a cara, face a face, temendo a tarde ir embora depressa, a gente sem pressa aproveitava o tédio para fazer do estranho o tamanho desejo. E teu antever me desnudou de tal forma...Uma mesa tão grande, eu sozinho. Mesa tão grande, você sozinho. Mesa pra dois com um, com dois, depois, me avisa se eu estiver vermelho. Várias vezes você estava. Não importa a tarde, não importa o tempo, o relógio. A sessão cessou. Andar pelo fim de tarde, anoitecendo, é descobrir mais sobre você, sobre mim.

domingo, 10 de agosto de 2008

cava no canyon sua memória

Rupestre, segue errante o caminho das flores já murchas
mas ei que ressurgido um céu se invade e tece
toda a face da espera e do seio
o sol sobrevê o outro lado da noite
e não teme,
cava no canyon memória dourada
de beijos latentes lascivos,
anseios carentes, perdidos e desconexos
hoje a noite não treme de frio.
Há nuvens milhares delas a nos cobrir
felizes de tanta noite ao nosso redor
que se o amanhecer vier, a luz afaga
mesmo as luzes dos postes
mesmo os pés cansados
mesmo o carinho de mãos que outrora se desconheciam,
você corre cavando a sua memória no meu corpo
e eu pouco a pouco me revelo, me entrego.
São fomes, são seios, são néctares em sincronia com flores perfeitas
o jardim e a relva revelam-no na escuridão
e os violinos cantam, gritam, exageram
como é bom te ter nos braços
embraçando-nos
barcos a velas no seu mar.