quinta-feira, 24 de abril de 2008

todo o gozo

vejamos o movimento dos lábios, certeiros como flechas, disparam clamores e forjam sentidos. Toda educação de seu olhar se restringiu a mim e à minha intenção de querê-lo bem. Estar diante de um espelho é tão difícil, e me julgar para você, e me compor para você, e me desconstruir, se necessário, para vo-cê. Todo o movimento que seu casaco de sarja faz quando você está andando apressadamente me remete ao vento, e seu cabelo acompanha, quase grande, quase solto, quase meu, toda a forma e doçura de se pertencer a alguém, ao amor de outrem. Diga-me sinceramente as estranhezas de um delírio revelado abertamente para a sua realidade, sua consciência, somos contemporâneos e não vejo mal algum em nos atracarmos com pressa e voracidade, imagine se o tempo fosse barreira, e estivéssemos em vidas diferentes e distantes, imagine. Mas tudo bem, eu falo bem baixo tudo bem olhando para sua mão terna e calma, ela é tão vagarosa, se move bem pouco, parece em coma, parece como uma mão presa, desejando sair, libertar-se. Liberta-se e acaricie meu cabelo quase crespo, tenho vontade de te pedir mais, que toque quase arrancando meus lábios, não os beije agora, só sinta com as pontas dos dedos. Depois se quiser, fecha-me os olhos para que eu veja só com o coração, e depois, se ainda preferir, encontre minhas duas mãos paradas, descansadas, e trave-as como chave-fechadura. Todo o meu movimento ficará inerte, e eu continuarei parado, porque assim é melhor, eu me entregaria morto, parado, o respirar lento, os olhos sem saber o que ver, e todo o mais é consequência de uma sofreguidão quieta, de uma explosão muda, de uma retenção, de uma redenção, de um soluço que não irá passar, se você, algum dia, me disser fique, me disser estamos, me disser somos. E toda minha poesia se converterá em gozo, e toda minha balbúrdia, esbórnia mental e confusão tornar-se-ão seios a serem tocados e embebidos de versos nada castos, versos salientes, versos cheios de amor que não se demora.

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